Camila
- Há quanto tempo estão nesta atividade?
Levy- Pode falar a senhora.
Dona Inês- eu estou desde 1970. Foi
na minha casa mesmo, pois o meu esposo trabalhava com cerâmica desde quando ele
era jovem. Nossas famílias são ceramistas, então eu já sabia como trabalhar,
manusear a cerâmica, e o meu primeiro contato foi com meu esposo, na minha
casa.
Levy- Quando eu nasci meu pai já
trabalhava com cerâmica e eu tive toda uma vivência desde muito pequeno participando,
acompanhando os trabalhos, as atividades. Naquela época era uma brincadeira para
mim, uma diversão, somente depois veio a se tornar um trabalho profissional,
mas, veio dessa relação de vida mesmo, de acompanhar, experimentar.
Camila - Além de vocês,
outra pessoa da familia trabalha com cerâmica?
Levy- Na realidade, quando a
cerâmica começou em Icoaraci, mais ou menos na década de 1960, a cerâmica ainda
era o elemento mais utilizado na vida das pessoas, desde a cerâmica utilitária,
como também da cerâmica pra parte de esgoto era feito com material cerâmico, as
manilhas, fogareiro. O alumínio ainda não era uma coisa muito presente, então
essa relação entre uma geração mais antiga e outra mais nova, acabaram
influenciando também lá no futuro, e a gente veio trazendo essa vivência do
olhar. Aí, quando o meu pai já começou a desenvolver esse trabalho que era um
trabalho, digamos, diferenciado, e que focava mais essa questão da cerâmica
histórica, eu já vinha fazendo esse acompanhamento.
Camila- E fora vocês a sua filha
também? (pergunta para Dona Inês)
Dona Inês- É a família, eu ele e a
Ritinha.
Levy- Na realidade nós somos ao todo
quatro filhos, e desses quatro, três que realmente se envolveram com a
cerâmica, as duas acompanharam em algum momento, mas não ficaram dentro da
atividade.
Camila - Como
se deu a parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi?
Dona Inês- Bom, pra nós termos a
entrada no museu foi através de um primo meu que trabalhava na época lá, era o
Francisco. Primeiro ele trabalhava no parque,
depois que ele começou a trabalhar dentro do Campus e conheceu o Doutor
Simões. Ele frequentava muito a minha casa, então um dia ele viu o trabalho do
Raimundo (marido da Dona Inês), e disse: Ah,eu vou levar você pra o Doutor
Simões! Ele o apresentou e o Doutor Simões logo deu uma peça pra ele fazer, ele
fez uma e eu fiz a outra. Eu fiz uma que era um cariatides, e ele fez uma outra
peça. Daí abriu as portas para o Museu, com o Doutor Simões.
Camila - Quais os materiais
utilizados? Onde são conseguidos estes materiais?
Levy- Quando eu ainda era muito
pequeno, eu tinha uma faixa de quatro a cinco anos, quando eu acompanhei o
trabalho que o papai fez na rocinha, no Museu, que era um trabalho de réplica.
A partir desse acompanhamento, ainda que quando pequeno, deu pra perceber que,
alguns elementos que ele passou a utilizar, que ele passou a buscar, não faziam
parte do cotidiano da produção cerâmica local. Dependendo da cerâmica, os
elementos vão se diversificando. Então nós temos argila, que é o material
básico, em alguns casos, dependendo da situação, existem algumas misturas, que
eram utilizadas, como o caripé, como o próprio carvão triturado, cinza, na
parte de pintura, nós temos os engodos, que são os pigmentos utilizados pra
fazer a pintura e a parte de decoração. Os elementos foram, na realidade,
desenvolvidos por nós, aproximando o que poderia ter sido utilizado no passado
pelos indígenas, no caso, as espinhas de peixe, madeira, pedaços de madeira. O papai
começou a utilizar as hastes de sombrinha pra fazer as linhas duplas, também o
raio de bicicleta, semente de Inajá, pra fixar a tinta, foram descobertas, que
surgiram com experiências de outros grupos também, indígenas, grupos do Marajó,
da área de Quilombo. Estes grupos também tinham e têm uma vivência muito grande
na cerâmica. Ele (Raimundo Cardoso) reuniu essas pessoas, na realidade, no
espaço dele, e através desta experiência, ele foi juntando esses conhecimentos
pra chegar o mais perto daquela cerâmica, que ainda era uma incógnita pra ele,
era somente fotografia.
Camila - Quais os objetos
feitos com mais frequência por vocês?
Inês- Temos as estatuetas, os
pratos, as urnas, nós fazemos muito, essas peças.
Levy- A gente diversifica bastante,
porque além da cerâmica arqueológica, que é uma linha específica, a gente tem
um grupo, que é uma clientela extremamente específica, nós diversificamos pra
uma linha mais decorativa, e hoje nós temos uma linha utilitária, com um design
mais contemporâneo. Nós diversificamos muito nessas linhas de produção. Além
disso, nós temos uma produção também que é nossa, uma produção mais dentro de um processo
criativo, que talvez, não seja ou ao mesmo tempo, não se pode afirmar, não
tem muita carga de toda essa cerâmica
histórica, ou talvez acaba tendo, é uma coisa que a gente cria a partir desse conjunto de percepções.
Camila - Como ocorrem as
solicitações e encomendas?
Levy- Depende muito, por exemplo, a
gente trabalha com algumas lojas, que tem uma forma de negociação que pode ser
por encomenda ou pode ser compra imediata. Quando nós temos essa produção
disponível, nós trabalhamos também com museus, colecionadores, elas ocorrem na
grande maioria por encomendas, porque são peças que dependem muito do interesse
de quem vai comprar e do objetivo. Nós temos feito ao longo do nosso trabalho,
coleções pra museus, principalmente da Europa, Inglaterra , aqui no Brasil
também, Museu Nacional do Rio de Janeiro, dependendo dessa necessidade, fazemos
todo o trabalho.
Camila - Vocês já construíram
instrumentos musicais? Quais?
Levy- Já passamos por essa
experiência, com alguns músicos da área de História ou arqueologia, que
passaram, conheceram nosso trabalho e trouxeram propostas pra desenvolver. O
nome eu não lembro muito, eu sei que era uma espécie de igaçaba, com alguns
furos, com controle do tamanho da boca, não sei se pra sair ou controlar o som,
na realidade não sei como funciona muito bem, mas, uma espécie de forma
diferenciada. Você vai ter um som diferente, com formas arredondadas e tamanhos
diferentes que, dependendo do tipo de queima da cerâmica, influencia muito no
som. Quanto mais alta a temperatura, mais agudo é o som e quanto mais baixa a
temperatura, mais grave é o som.
Camila - Quais são os
cuidados para a construção dos instrumentos musicais?
Levy- A gente tem alguns cuidados,
primeiro a espessura da peça que vai ser elaborada e o formato. O formato
influencia muito na qualidade do som que está se buscando e, principalmente, os
orifícios utilizados para que esses sons sejam produzidos. Deve-se ter muito
cuidado na elaboração desses orifícios e como ele vai ser desenvolvido
futuramente para produzir o som que sai do instrumento.
Camila - Quais as técnicas
utilizadas em cerâmica?
Levy- Uma das mais conhecidas é a
técnica de rolinho, faz parte da cultura indígena, quilombola, cabocla também
usa muito esta técnica, que também é conhecido como Acordelado. Tem a técnica
de Torno que já é mais Europeia, quer dizer entre aspas, mas, que a Europa
difundiu, principalmente para cá, para as Américas, é uma técnica que a gente
também utiliza. Hoje nós temos a técnica de modelagem com barbutina, ou também
conhecida como argila líquida, que é uma técnica muito antiga, principalmente
na cultura Chinesa. Para nós é a primeira experiência no Pará, com essa
técnica, que desenvolvemos há pouco tempo, tem outra técnica elaborada com
placas. São placas de cerâmica que você monta a forma.
Camila - Como se dá o seu
processo criativo?
Levy- O nosso processo criativo,
quando se trata, por exemplo, da cerâmica Marajoara, é muito preso em todo
nosso trabalho. Ele vem de um cuidado em aproximar ao máximo daquilo que foi a
cerâmica arqueológica, a cerâmica que foi encontrada e está exposta em alguns
espaços, então esse cuidado acaba sendo muito presente na nossa produção. A
forma, os desenhos, a característica de cada trabalho que é feito naquela peça,
a gente procura ter o máximo de cuidado, até exagerado com relação a isso. Na
grande maioria das vezes a gente trabalha com imagens, são fotos e nessas imagens
não da pra termos a dimensão real do produto. Como a gente já reproduziu várias
vezes algumas dessas peças dentro do museu e a gente pôde acompanhar
visualizando e observando, temos uma noção que pode ajudar a aproximar a
réplica dessas peças, mas, defendemos a ideia de que uma reprodução tem um
valor agregado quando ela é feita com você acompanhando a peça original para
aproximar ao máximo daquilo que foi feito pelo artesão.
Quanto
às peças criadas por nós, fica uma grande dúvida, porque a gente não sabe se
tudo que a gente monta vem dessa influência ou se vêm de um processo alheio a
todo esse trabalho, mas, normalmente temos um tema e esse tema acaba gerando
formas, volume e no caso da produção da minha mãe, ela está mais focada em
pequenos detalhes, trabalha muito com a questão das cores, são formas que estão
muito relacionadas com montanhas, com paisagens da nossa região e ela começa a
brincar. Às vezes você tem a impressão daquelas estruturas de mangues na
composição das peças e por isso que eu digo que, às vezes, a gente não sabe
muito como se forma esse processo. No meu caso eu me prendo mais à questão
dessas estruturas da arquitetura principalmente egípcia. Essas estruturas que
são mais rebuscadas que tem muito a ver com a questão da natureza, então a
gente tem um processo muito diferente eu e ela que, no fundo, acaba tendo uma
influência dessa coisa do Marajó e Tapajós.
Camila
- Falando especialmente sobre as culturas marajoara
e tapajônica, quais as simbologias
dos padrões de decoração?
Levy- A
gente considera que, no Tapajós, os Cariátes e o Gargalho são aqueles mais
utilizados para dar referência a essa cultura, são peças bem específicas, tem
uma característica bem singular do Tapajós e, no Marajó, algumas estatuetas, como
o falo, que é bem característico e as Igaçabas de formatos
arredondados, isso a gente vê bastante.
Camila
- Quais as peças que você considera mais representativas dessas tradições?
Levy- Normalmente as pessoas procuram as peças Marajoaras,
elas são mais procuradas do que as tapajônicas, talvez porque com as peças
Marajoaras há uma maior facilidade de composição de ambiente. No caso da
Tapajônica, como ela é mais barroca, ela tem menos cores, são peças mais
rústicas e você talvez não tenha uma facilidade de compor em qualquer ambiente
contemporâneo. As peças do Marajó já se adaptam mais facilmente, acredito que
talvez isto seja um motivo. Um outro motivo que também pode contribuir é que a
cerâmica Marajoara é muito mais difundida, muito mais conhecida do que a
Tapajônica, a cerâmica Tapajônica não é
tao difundida no mercado como a cerâmica Marajoara.
tao difundida no mercado como a cerâmica Marajoara.
Camila
- Qual a importância do trabalho de vocês para a cultura do nosso estado?
Levy- Uma vez eu estava conversando com a doutora Edith
[Pereira do MPEG]e ela falou uma coisa que não tinha chegado até nós. Ela comentou que esse trabalho tinha uma
importância muito grande em difundir, uma vez que as peças originais não podem,
quer dizer não tem como você disponibilizar para a grande maioria dos espaços e
que as pessoas tenham contato com esse material. Essa produção pode ajudar a
difundir e talvez no sentido de criar curiosidade nas pessoas em buscar mais
informações, em conhecer mais sobre essas culturas. Então acaba sendo um
elemento que vai fazer com que as
pessoas tenham conhecimento sobre todo esse material que existe no estado e que
existe na cultura brasileira.
Camila
- Você acha que o ofício do ceramista é valorizado no nosso estado?
Levy- A questão de valorização, infelizmente não. Embora a
produção cerâmica tenha sido em toda a sua história um dos maiores elementos de
promoção do estado, todos os eventos, principalmente internacionais, o estado
sempre busca estar representado pela produção cerâmica, mas, em termos de
produção é complicado, porque até mesmo como a cerâmica é uma das atividades
mais antigas do mundo e até hoje não é conhecida como profissão, você já pode
imaginar como ela é tratada em processos de gestão pública. Os recursos para
essa profissão geralmente estão alocados naquilo que sobra. Hoje, por exemplo,
no estado do Pará os recursos estão na secretaria de promoção social, quer
dizer, ai é complicado. Você tem um trabalho que exige produção, exige hoje
tecnologia, exige mercado e não tem todo esse suporte que possibilita ao
artesão ter facilidade ao mercado. A sua própria produção, a exportação e a
adequação do seu processo hoje com relação à questão ambiental, retirada da
argila, tratamento deste espaço, tipos de queima, que é uma exigência internacional,
isso não acontece. Tanto que a grande maioria dos ceramistas de Icoaraci
acreditam que dentro de 15 anos, talvez até com muito otimismo, a cerâmica
chegue a uma produção mínima dentro do estado do Pará.
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